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Tratamento de Água na Trilha

Atualizado: 23 de jun. de 2021

Esse conteúdo foi postado com alguns cortes no vídeo apresentado abaixo. Aqui nesta postagem existem algumas informações adicionais sobre como podemos tratar a água na trilha sem deixar os portões da diarreia explosiva abertos.

Obter água no ambiente natural requer ferramentas e conhecimento. Um dos principais problemas envolvidos é a ingestão de água contaminada, que pode trazer sérios riscos dependendo do cenário. A seguir serão mostrados os tipos de patógenos que contaminam a água e a forma na qual podemos diminuir ou eliminar esses riscos.


Sabe aquele riacho cristalino que desce da montanha numa área natural ou nascente de água de aquífero? O risco de beber essa água sem tratamento é tipo perder um gol embaixo das traves, é baixo, mas, as vezes acontece e alguém perder. A analogia do gol é uma representação do conceito de risco, uma probabilidade de ocorrência de um evento que pode ou não acontecer.

Fonte de água em trilha com grande trânsito de pessoas (Cerro Plata), ao lado do acampamento Veguitas e com animais ao fundo. E aí, qual o risco de beber essa água?


O Brasil é um país em desenvolvimento e com muito pouco estudo de qualidade da água nos rios, tem baixos índices de saneamento ambiental, possui pecuária extensiva e a educação ambiental de montanhistas ainda é bastante insuficiente. Se você não se achar apto a avaliar a origem da água e os riscos associados, eu recomendo que a decisão seja sempre conservadora, ou seja, trate. Dejetos humanos ou animais e animais em decomposição podem contaminar a água mesmo nesses locais mais preservados. Para entendemos como gerenciar esse risco, devemos diferenciar três diferentes tipos de patógenos:


1) O primeiro deles são os PROTOZOÁRIOS: Entre os maiores temos, por exemplo, os que causam a amebíase e entre os menores temos a Giárdia e o Cryptosporidium. Esses citados, junto com muitos outros, são os protozoários que devemos nos preocupar devido ao potencial risco de contaminação em fontes de água. O tamanhos deles costumam oscilar entre 1 e 20 micron. Entender o tamanho desses patógenos é importante para compreensão posterior dos tratamentos.

Alguns dos protozoários perisos encontrados em águas contaminadas


2) O segundo grupo de patógenos são as BACTÉRIAS: As águas das montanhas costumam carregar uma grande variedade de bactérias e elas possuem tamanhos entre 0,2 e 10 microns. Algumas famosas são a Salmonella e a Escherichia Coli. Muitas doenças como cólera, desinteria e tifóide são originadas de contaminação por bactérias.

Algumas das bactérias perigosas encontradas em águas contaminadas


3) O último grupo de patógenos são os VÍRUS: Alguns vírus conhecidos são a hepatite A, o rotavirus e o norovírus. Esses patógenos são filamentos de DNA de tamanho muito inferior aos protozoários e bactérias. Os vírus costumam se proliferar por meio dos dejetos de humanos ou animais e podem ocorrer em áreas de muito tráfego de pessoas ou criação de animais.

Alguns dos vírus perigosos encontrados nas águas contaminadas


A seguir será explicado como os diferentes tratamentos tradicionalmente usados para tratar a água no montanhismo atuam contra esses três diferentes grupos de patógenos.


Tratamento Químico


O tipo de tratamento mais usado é o tratamento químico, representado quase sempre pelo uso do cloro, e com menor o frequência pelo iodo, mas esse, devido ao pouco uso atualmente, não será tratado aqui. Primeiro, é importante entender que nem todo cloro usado e disponível no mercado é igual, precisamos separá-los em dois diferentes grupos. O tratamento com cloro e o tratamento com dióxido de cloro, ambos diferem bastante em características e efeito sobre os patógenos.


Cloro: Esse é encontrado normalmente na forma de pastilhas como o "clorin", e também na forma líquida pelo uso da "água sanitária doméstica" ou "hidrosteril". Todas essas opções liberam o cloro de forma idêntica na água e possuem o mesmo efeito no tratamento sobre os patógenos.

O hidrosteril tem o mesmo efeito que as pastilhas de cloro no tratamento dos patógenos


Diferente do que muitos dizem, o cloro não mata todos os patógenos presentes na água. Nos 30 minutos recomendados (que é uma estimativa de tempo conservadora para águas frias), ele é capaz de matar os vírus e bactérias. Contudo, é muito ineficiente contra protozoários perigosos, tendo efeito muito fraco contra a giardia e nenhum efeito contra o cryptosporidium. Devido a maior parede celular desses protozoários, esse tratamento químico não consegue penetrar e matar esses patógenos.


Dióxido de Cloro: Esse é o tratamento químico mais efetivo para desinfectar a água de todos os patógenos, algo que não é feito usando apenas o cloro. Ele é também encontrado de duas formas, no formato líquido (que requer a mistura de duas diferentes soluções antes do uso) e no formato de pastilhas como a da imagem abaixo. Não confunda essas pastilhas com as de clorin, não são a mesma coisa, uma mata protozoários, a outra não.


Os dois tipos de tratamento químico (cloro e dióxido de cloro) atuam oxidando a membrana celular dos organismos, recebendo os elétrons das membranas dos patógenos. Uma molécula de clorin pode receber dois elétrons e o dióxido de cloro pode receber cinco, deixando o tratamento mais efetivo, especialmente contra protozoários. O dióxido de cloro leva entre 15 e 30 minutos para matar vírus e bactérias e o máximo de 4 horas para matar protozoários como o criptosporidium em águas frias.

Dióxido de cloro na forma de pastrilhas (é diferente das pastilhas de cloro)


As vantagens do dióxido de cloro em relação ao cloro são a maior solubilidade em água (especialmente em águas frias), efeito em uma faixa maior de pH, maior efetividade em relação a turbidez e o já citado efeito superior contra os protozoários. Contudo, o tratamento químico pode ser ineficaz para águas turvas. Nesses cenários, aumente a dosagem dos tratamentos químicos, ainda assim, em muita turbidez, serão ineficazes.


Bom, mas vamos ser sinceros, em uma trilha mais longa, onde ocorrerá abastecimento de água diversas vezes ao longo do dia, poucos irão esperar 4 horas para ter certeza de que a água estará totalmente livre de protozoários. Nesse caso, somente usar o tratamento químico, poderá deixar os portões da diarréia explosiva um pouco abertos. Para contornar isso, outros tipos de tratamento podem ser utilizados ou combinados com o cloro.


Microfiltração


Um dos métodos mais utilizados atualmente é o da microfiltração. O método de filtragem costuma ser rápido e fácil de usar, produzindo água limpa e sem gosto de substâncias químicas. O mecanismo consiste em passar a água por filamentos com porosidade normalmente de 0.2 micron. Devido ao diâmetro das bactérias e protozoários sererem maiores que 0,2 micron, eles não conseguem passar pelos poros do filtro. Esses patógenos ficam retidos na superfície dessa membrana.


A principal desvantagem desse método é a ineficiência contra os vírus, esses são pequenos o suficiente para passar pelos poros de 0,2 micron. Nesse caso, para total desinfecção dos patógenos, a microfiltração deverá ser combinada com algum outro tratamento posterior.

Exemplo de como os vírus conseguem passar pela membrana dos filtros


Uma desvantagem importante é que esses filtros podem congelar no frio e danificar a membrana, como você nunca irá perceber se isso de fato ocorreu, acaba sendo contra indicado para temperaturas negativas. Além disso, com o tempo, eles entopem e tendem a perder a vazão original, mesmo aplicando a recomendada retrolavagem. Outra desvantagem é que são passíveis de quebra, apesar de ser pouco comum, acontece.


Hoje os filtros mais famosos são os da marca Sawyer. A imagem mostra três dos populares modelos da marca. A versão Mini, que é a mais barata, tem baixa vazão e entope muito fácil (não recomendo). A versão Micro, que tem mais vazão que a mini mas ainda assim perde vazão depois de alguns tempo de uso (ideal para no máximo 1 pessoa). E a versão Squeeze, que é maior e mais pesada que as outras mas tem vazão superior aos outros dois outros modelos e entope menos. Ainda existe o popular filtro Katadyn Beefree que possui vazão alta e entope com menos frequência, mas esse precisa ser usado com uma garrafa específica e não é acoplável em garrafas PET. E ainda tem um modelo novo que está para ser lançado em 2021 da marca Platypus (Quickdraw) que promete ser melhor que todos os outros, esse se acopla a garrafas PET.

Tratamento de água usando filtro (Sawyer Micro) durante uma trilha


Fervura


Outro método muito eficaz e de fácil acesso é o da fervura. Esse é um dos método mais acessíveis, pois a maioria dos montanhistas que fazem trilhas com pernoite acabam levando combustível e fogareiro. A simples fervura da água irá matar todos os patógenos, ou seja, os protozoários, as bactérias e os vírus. As recomendações indicam ao menos 1 minuto de fervura ao nível do mar e 3 minutos para altitudes acima de 2.000 metros. Há quem diga que apenas fever é o suficiente, na dúvida, siga a recomendação e aguarde.


Apesar de ser um método simples, possui as desvantagens de gastar muito combustível, não tirar a turbidez da água, tomar mais tempo, e a impossibilidade de beber ou armazenar logo após a fervura. Eu vejo esse método como um excelente backup para tratamento de água em situações de emergência, ou para tratamento de água em acampamento. Na trilha, eu considero o seu uso muito pouco prático.


Radiação UV


Outro método muito usado é a radiação UV. O uso de lâmpadas de radiação UV são largamente utilizadas em tratamento de água de cidades e matam todos os patógenos presentes na água. O método é rápido e prático de usar.


As desvantagens estão relacionadas com a sua inceficácia em águas turvas. Muitas vezes não é possível identificar no olho se uma água possui turbidez adequada para o seu uso, então, o método não é totalmente confiável. Entretanto, para água mais cristalinas ou de derretimento de neve, é o mais rápido e seguro. Outras desvantagens são a dependência de baterias e a inerente fragilidade da lâmpada.


Conclusão


Até aqui foi mostrado quais os tipos de patógenos encontrados nas águas, algumas das opções usualmente utilizadas no montanhismo e como elas atuam na esterilização da água. A escolha de um ou a combinação de diferentes métodos, ou até mesmo a opção por não utilizar nenhum método, ou optar por utilizar só quando achar necessário é pessoal e envolve riscos que você deverá avaliar se está disposto a correr. Essa decisão, na minha percepção, não é única, ela é muito afetada pelo local e forma como você fará a trilha.


Outro ponto importante é em relação a contaminação cruzada. Exemplos: filtrar a água em garrafas que antes carregavam água contaminada, água que escoa por fora do filtro da garrafa limpa para a garrafa suja, água que fica na boca da garrafa e que não recebe o tratamento químico, entre outros. Outro detalhe importante é que parte das contaminações por patógenos mostrados no começo desse texto não vem da água, e sim, da falta de higiene nas mãos.


Para concluir, tenha ciência que nenhum desses tratamentos apresentados é efetivo contra agentes químicos, metais pesados, pesticidas e toxinas.


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